É
de noite.
Quase perto do horário de iniciar a sessão
espiritual.
Tanto eu, quanto demais pessoas habituais
frequentadoras, já estamos próximos ao portão de entrada; e todos
nós estranhamos encontrar o portão fechado e todas as luzes
apagadas.
Uns batem palmas, outros chamam pelo nome do zelador,
…, e nada.
Tudo permanece às escuras.
Parece não haver
ninguém no centro espírita!
Preocupação geral: – Será que
aconteceu alguma coisa com o paizinho?
E aí alguns de nós vem
a notar um pequeno papel pendurado no portão. E nele, lemos em
curtos dizeres: – “Atividades encerradas”.
Surpresa geral!
O
que houve?
Qual o motivo pra isso?
Uma
das pessoas, que sabemos ser muito amiga do zelador da casa, diz que
acredita saber os motivos; e cercada por todos, pois fizemos uma roda
de ciranda em volta dela, lhe pedimos mais explicações, e ela
começa a falar:
– Sabe o que eu acho, gente!
O pai do
terreiro sempre falou pra todos que um centro espírita que se presta
a praticar a caridade, precisa que as pessoas e os médiuns
frequentadores da casa, sejam sempre modelos exemplares em suas
condutas, tanto dentro como fora do centro.
Eu acredito que
apesar dos avisos dos espíritos que trabalham com ele, e pedindo
sempre que todos deveriam ser amigos um do outro, ter amor de verdade
no coração, que todos ajudassem a casa dando um pouquinho só e o
suficiente pra casa ter as suas contas mensais pagas, que todos
melhorassem suas condutas sendo bons consigo mesmos, com suas
famílias, que fossem respeitosos, e acima de tudo que estudassem a
história de vida de Jesus e o imitassem, sempre me pareceu que
ninguém isso fazia.
–
Vocês se lembram que a gente sempre via o paizinho triste, chateado,
…, e as vezes até com lágrimas nos olhos quando olhava pra um
filho da casa vivendo sempre com problemas?
E depois, que o
paizinho sempre falava e repetia várias vezes, que primeiro nós
tínhamos de cuidar das coisas do espírito, e que só depois as
coisas materiais que tínhamos necessidade nos seriam dadas?
E
ainda que depois de nós cuidarmos das coisas do espírito, aquilo
que a gente achava ser a coisa mais importante do mundo, deixava de
ter a importância de antes?
–
Vocês se lembram que ele sempre avisava que as bocas dos Umbrais
estavam vomitando aqui para cima, maus espíritos pra cima de todo
mundo?
E que esses maus espíritos, a primeira coisa que fazem
quando aqui chegam, é partir pra cima dos médiuns relapsos?
–
Vocês se lembram que ele falava que médiuns que não vigiam
devidamente as suas condutas, os maus espíritos os pegam
facilmente?
E médiuns relapsos abrem facilmente as suas
guardas?
E assim passam a sofrer influências negativas desses
maus espíritos?
E que esses pontos fracos, ou buracos nas
guardas dos médiuns só existem por causas das más condutas e de
não observarem com respeito as Leis da Umbanda?
E uma dessas más condutas é a falta de respeito de um para com o outro, com a religião, com a doutrina, com os horários do centro, com a assiduidade, e o pior de todos os defeitos: – a pessoa só pensar em ganhar pra si, e nunca em ajudar em nada a casa!
– Pior ainda que isso, apesar de o paizinho pedir até com certa insistência para algumas pessoas da casa pra não persistirem nessa conduta, muitos não o ouviram e somente vinham ao centro quando queriam, chegavam a hora que lhes fosse conveniente, iam embora no meio dos trabalhos, nunca vinham numa aula, ou numa reunião, numa palestra, enfim, muitas pessoas relegaram o centro espírita a segundo, e até a terceiro plano em suas vidas.
– O paizinho já chegou até a escutar de filho aqui na casa: – Venho quando eu quero!
– Teve outros ainda, que mesmos levados ao esclarecimento pela doutrina boa do paizinho, nunca de fato abandonaram os seus vícios. E com isso afrontavam abertamente a doutrina evolutiva que a Umbanda traz, ao exporem suas mazelas para Ela, e em público. E com isso vinham gerando desconfortos e desagrados que contribuíram muito para que as más-línguas começassem a difamar o nosso centro espírita.
– Também sei que muitas pessoas dentro do terreiro, apesar de fazerem carinhas de santo e de santas, fora do centro eram coisas totalmente diferentes no pior e despudores!
– Então pessoa! Acredito que eram essas coisas que desde há muito vinha chateando bastante o paizinho. Ele tomou conhecimentos de várias críticas que faziam sobre o terreiro; e a pior, a que ele nunca pensou em ouvir: – que aqui já tinha virado um terreiro de macumba.
– Eu sei que o paizinho ficou possesso quando as pessoas lhe fizeram esse comentário – que ele era chefe de um terreiro de macumbarias; e terreiro ainda todo cheio de fofocas, mentiras, vaidades orgulhos, gente fingindo receber espírito, uns querendo derrubar outros; outros querendo jogar um contra o outro; uns querendo prevalecer; diretores entregando o cargo.
– Eu sei que o paizinho esperou pacientemente o tempo passar, e calmamente esperava o bom senso prevalecer. E ele viu que mesmo o tempo passando, e apesar dele orientar as pessoas, e mesmo para aquelas que ele sabia terem frequentado os cursos que a casa ministra, ele viu que essas pessoas de fato nada aprenderam, que nada sabiam, que esqueciam tudo, que não tinham interesse algum; e que assim nunca sabiam como se comportar perante as várias situações que acontecem dentro de um terreiro.
–
E essas pessoas insistentes nos erros e que não apresentavam
melhoras, o paizinho entendeu que estavam obsedadas; e não por culpa
dele como dirigente; mas sim por culpa da própria pessoa que
insistia cometer erros atrás de erro, em não ouvir, em não ler, e
não raciocinar em termos da doutrina da Umbanda.
E pior, sempre
se achando certos.
Essas pessoas nada fizerem para o
reconhecimento e aprendizado com as experiências, com os desfechos,
e com as sequelas das consequências que isso fatalmente traria. E
envoltos pela inexistência da humildade, essas pessoas fecharam as
caras pro paizinho, pros ensinamentos, se voltaram pra dentro de si
mesmas, e protegidas pelas suas cascas de ostras, se esconderam da
realidade e ficaram esperando o quanto pior, melhor.
– Aí, gente! A semana passada o paizinho me confidenciou: – O centro perdeu o seu ambiente vibratório adequado, e não forma mais a egrégora; e dessa forma, como prestar uma boa assistência aos necessitados?
– Assim, pessoal! Acredito que para o paizinho só lhe restou a única alternativa lógica:
1) Não conseguia reformar intimamente os frequentadores e médiuns da casa; e não porque não envidou todos os esforços para isso! Isso ele fez! Mas, as pessoas não o quiseram ouvir! Fecharam os seus ouvidos e seus cérebros!
2) A maioria do pessoal da casa, senão todos, nada contribuíram para mudar esse estado de coisa; muito pelo contrário: – só faziam piorar esse quadro.
3) O paizinho sentiu que os trabalhos de atendimento já não mais ajudavam a pessoas que aqui vinham buscar ajuda. Não havia mais campo de caridade formado pela soma das vontades reais de ajuda ao próximo.
– Então, gente! Eu no lugar do paizinho também tomaria a mesma decisão que ele tomou. E esta saída para o problema foi a única possível! E esta única saída foi a decisão de fechar o terreiro!
Após ouvir tudo aquilo, e até constrangido por eu saber que eu também tinha dado a minha contribuição perniciosa para fazer acontecer aquele atual estado de coisas, que nada fiz para reverter esse quadro, e muito menos de ter oferecido solidariedade ao paizinho, só me restou uma pergunta; e esta eu a fiz em tom alto de voz, acreditando que até os infernos me ouviriam:
– E agora, para onde vou? O centro era tão bom, falava em Deus, ensinava o Evangelho de Jesus, nos ensinamentos de Buda, tinha Doutrina do Bem, não cobrava, não fazia matanças, ajudava todo mundo que vinha aqui, enfim, … e agora, o que eu faço?
Um
brutal silêncio foi a resposta que eu “ouvi”!
Mas,
indignado, gritei outra pergunta (e gritei acreditando que o paizinho
estivesse no interior do terreiro fechado, e iria me escutar): – O
paizinho não podia simplesmente ter mandado embora essas pessoas que
estavam tumultuando os objetivos da religião, da casa, …?
Novamente a moça, que eu sabia ser uma pessoa muito séria com as coisas da Espiritualidade, e que eu sabia que ajudava muito na organização do terreiro, e que conversava muito com o paizinho, me respondeu:
–
Sim, o paizinho podia mandar embora todas essas pessoas
irresponsáveis e perniciosas; só que ele iria ficar praticamente
sozinho no terreiro.
Ele já vinha selecionando o joio do trigo
desde que fundou a casa.
Ele até adotou o lema conhecido por
todos nós: “Uma casa espírita deve ter Qualidade Mediúnica, e
não Quantidade em Mediunismos!”
– Veja que mesmo usando desse lema e prática de separar o joio do trigo, as pessoas que ficavam na casa, e uma após outra, sempre pensaram que nunca iriam ser convidadas para procurar outro terreiro!
– E o paizinho vinha adotando esse critério desde que fundou a casa, e isso há quase 30 anos; só que as repetições chegaram a tal ponto, que veio a alcançar a maioria em comportamentos sem seriedade e sem responsabilidades; com o paizinho vindo a alcançar idade avançada; e isso tudo o fazendo enfraquecer física, mentalmente, e nunca espiritualmente.
Dessa forma, decepcionado com seus “filhos e filhas”, mas de consciência tranquila pois sabe ter doado o seu melhor para a religião, fechou o terreiro, e foi pra casa descansar; e cada um que não soube valorizar e contribuir quando tinha um terreiro, e agora não mais os tendo, que siga a sua vida, e que isso lhe sirva de lição!
–
E olha, gente! Ninguém pode condenar o paizinho por essa atitude,
não!
Vocês se lembram de quantas vezes ele vinha avisando isso
nos dois últimos anos de centro funcionando?
Era praticamente
em todas as sessões!
E todos davam um sorrisinho, e diziam que
ele nunca iria fazer isso!
Vocês se lembram?
E mais: vocês
se lembram também que os próprios espíritos que o incorporavam,
também davam muitas lições de Moral em todos lá dentro, e por
causa desse estado de coisas?
E que eles também falavam que na
hora certa determinariam o fechamento do terreiro?
Aconteceu,
né?
E agora?
Aqui com o paizinho, praticávamos a Umbanda
em Cristo.
Como fora daqui, como todos sabem, só existe a
macumba, dessa eu tô fora!
Assim, eu vou frequentar centro
Kardecista!
Adoro a Doutrina Espírita – que era a que o
paizinho sempre ensinou pra nós!
Quem quiser ir comigo, sabe
onde eu moro.
Me liguem, combinamos, e podemos ir juntos!
Ouvi
tudo aquilo com nó na garganta.
E sei que todos que ali estavam
e também ouviram, ficaram com esse mesmo nó!
Nessa hora se
passa milhares de coisas pela cabeça: podia ter feito isso, aquilo,
desse ou daquele jeito, …, agora não adianta mais!
Só me
resta retornar pra minha casa, e é o que faço.
Mas antes, olho
pela última vez para a fachada de entrada do antigo centro espírita,
e mentalmente me despeço: – Adeus, paizinho! Adeus, Umbanda! Se
puderem, me perdoem!
Lágrimas
escorrem de meus olhos enquanto caminho de volta pra casa, …,
O
pior é que as lágrimas queimam os meus olhos e a pele por onde
escorre, e como se fossem chumbo derretido, …, e vem a se somar em
mais dor em minha alma em vista de brutal sentimento de culpa que se
abate sobre meus ossos, …, começo a sentir o meu corpo pesando
mais de uma tonelada, …, e isso torna difícil continuar
caminhando, …, difícil respirar, … e, .., não me contenho mais,
…, é muito peso, …, é insuportável, …, doi a alma, o corpo,
a cabeça, é muito peso de culpa, …, minhas pernas parecem ter
inchado, …, só me resta cair de joelhos no meio da rua, …, é o
que faço, …, e assim ajoelhado eu me entrego, …, derrotado, …,
e não consigo me conter mais, …, eu desabo em uma explosão de
choro cheio de arrependimentos, …, choro que tentei inutilmente
conter, …, e entre o urro de desespero em que se transforma o meu
choro, eu sei que tudo em mim pede outra explosão, …, e este é um
grito que vem da parte mais profunda de meu ser, …, sinto que vem
do meu espírito: –
MALEME, PAIZINHO!!! MALEME, UMBANDA!!!
Para
reflexão:
Um terreiro, templo, tenda, centro, se faz
essencialmente de pessoas boas, honestas, respeitosas, devotas,
fiéis, responsáveis, sérias, colaboradoras, interessadas, e acima
de tudo, que cumpram as suas obrigações, que possuam bom senso, que
valorizem os seus ambientes de religião, que estudem, que aprendam
no dia a dia a ser pessoa melhor, e que busquem se qualificar em tudo
aquilo que é bom para o corpo, para a mente, para a alma , para o
espírito, para si, para a família, para a sociedade, etc. Sem isso,
nada feito!”
VALORIZE ONDE PISA!
Sérvio Guidotti – (setembro-1.990)